Sobre a impermanência

Sobre a impermanência

Nesta manhã quando me sento para escrever, apreciando meu café recém moído e passado, percebo uma constante em minha vida: a impermanência de tudo. Me preparo psicologicamente para iniciar minha 19a mudança de casa (incluindo algumas de Estado e duas de País). 

Nestes momentos, quando finalizo novamente um ciclo, muitas coisa vêm à mente destes últimos anos no Rio de Janeiro. Mudaremo-nos para outro Estado, onde nunca ficamos mais do que alguns dias a cada visita. Mas sempre levando esperança na bagagem. Deixo para trás muito mais do que levo, a cada vez, isso me traz leveza. Apesar de ser uma pessoa com tendências fortes de apego ao passado, acredito em deixar para trás o que é necessário. Mas enxergo este apego como laço invisível que me mantém conectada a este mundo, algo que me ajuda a desenhar suavemente a caminhada neste plano. 

Meus maiores apegos, no entanto, são sempre os momentos e pessoas com quem os dividi. Não com as coisas, estas já aprendi a desapegar quando vivi na mala por 14 anos (comissária de bordo), mas também quando fui de partida para a China, quando precisei fazer uma mudança toda em apenas quatro malas. Aprendi a levar apenas o insubstituível: cartas recebidas, algumas fotos antigas, pequenas lembranças de alguém querido, presentes e memórias de valor incalculável. O resto segue sendo o resto. 

Lembrei-me hoje do primeiro dia em que trabalhei na minha sala (a primeira que foi só minha), com a parede azul que eu mesma pintei. Onde pude desfrutar verdadeiramente de minha solitude. Cheiro de café, como sempre, misturado com alegria e satisfação de realizar a tarefa que me preenche por dentro (meu trabalho). Olho para minha coleção de livros de pesquisa, leio algumas páginas, paro para apreciar os pássaros na árvore da frente. Saúdo-a. E agradeço por estar ali.

Lá eu dei o meu melhor, deixei minha essência, me despi de tudo que pensei que fosse, e me reconstruí novamente. Trabalhei com entrega, responsabilidade e afinco, desejando sempre entregar o que tenho de melhor, com muito respeito a cada cliente. Estudei, aprendi, ensinei e chorei. 

Agora, prestes a abandonar novamente meu ninho seguro, me volta o sentimento que tantas vezes sussurrou em meus ouvidos: o da impermanência de tudo. Novamente me pergunto o que será que preciso aprender com isso, porque será que para algumas pessoas é tão fácil ficar para sempre, e para outras partir é sempre o propósito necessário? 

A vida nos mostra por fora o que vai dentro, e a cada mudança essa pergunta sempre volta: “O que preciso aprender com isso?”. Normalmente, não são mudanças muito programadas, muitas delas são decididas em meio à turbilhões de emoções- porém são sempre rapidamente acolhidas pelo potencial que oferecem: nos remover de nossa zona de conforto, remover e sepultar o que dentro de nós se acomodou. Iniciar um novo ciclo, um novo voo.

Penso na possibilidade de estar revivendo padrões de uma eventual vida cigana no passado (com certeza), mas também penso ser este um ensinamento que minha alma deseja aprender: impermanência, de coisas, pessoas, lugares e situações. Para que o grande filtro da alma seja ativado. Para que somente o essencial fique. Se ainda “impermaneço”, ainda há onde procurar. Estou aprendendo. Repenso e estudo esta palavra por vezes seguidas. 

Talvez nesta impermanência eu seja incitada a me readaptar por vezes sem fim à mim mesma, de forma que estimule mais uma camada interna a se sobressair, desta vez em um nível mais alto. Ou talvez possa ser um movimento de uma complexidade ainda maior: resgate indireto de fractais por este mundão afora. Começando por minha primeira profissão, iniciada aos 18, mas muito sonhada desde os 15: comissária de bordo.

No período da aviação, conheci muitos países e não tive paradeiro (nem físico, nem emocional). Conheci 35 países, mas falhei em conhecer em profundidade à mim mesma. Fugi como diabo da cruz do encontro derradeiro com minhas sombras. Me anestesiei das piores maneiras possíveis. Me machuquei além do que deveria. Mas aprendi. Vi beleza além do que sequer imaginei um dia. Conheci as pessoas mais importantes de toda a vida. E sigo nesta estrada sem fim, caminhando pelo Tao que estou construindo com mais consciência desta vez. 

E em todas as minhas diferentes fases, uma similaridade: a constância da impermanência. Nela, tive segurança. Nela, aprendi a desapegar. Nela, voltei sempre para mim. E nela, saberei sempre me encontrar. 

Penso que a vida quer sim me ensinar algo: que sou capaz de me equilibrar na fina corda bamba entre dois penhascos, e ainda assim conseguir chegar do outro lado. E farei isso quantas vezes forem necessárias até conseguir não ter medo de ficar. De criar raízes. De achar o solo mais fértil para que eu floresça da melhor maneira possível. Até que eu tenha esgotado as chances e formas de me desenvolver e sentir o mundo na pele, em toda a complexidade que for possível.

Enquanto isso, encontro meu caminho e minha segurança na impermanência. Me alivio a cada ciclo no desapego do que é material, externo, desnecessário; mas sempre encho meu coração de tudo que não se pode medir. Meu anseio mais profundo é pelo imensurável, pois lá está a essência do que desejo. Levo comigo todas as memórias que engrandeceram meu viver até aqui, e as guardo a sete chaves, me apego à elas como vetores, para sempre conseguir redesenhar meu caminho. E sigo me desafiando até conseguir ficar…transformando o que puder em algo grandioso, pois penso ser este o sentido da minha vida. 

Aprendamos com as muitas camadas da impermanência, um origami infinito que desdobra muito mais do que apenas a angústia do não-controle: ela carrega as hélices do tempo conectadas em fios muito finos e padrões que apenas as almas que veem beleza na dança dos ciclos conseguem enxergar. 

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